Comunidade LGBTQIAP+ do Canadá em alerta por enfraquecimento de seus direitos
Bandeiras do arco-íris queimadas, marchas do Orgulho interrompidas, violência nas ruas: em contraste com a imagem de tolerância que o Canadá transmite, a comunidade LGBTQIAP+ denuncia retrocessos em seus direitos e o ressurgimento de "comentários de ódio e agressões".
O Canadá — e especialmente muitas de suas cidades — tem sido considerado durante anos um refúgio de paz para viver livremente a própria orientação sexual e identidade de gênero. Foi, inclusive, um dos primeiros países do mundo a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2005.
No entanto, a violência nas ruas e nas redes sociais se "exacerbou" nos últimos anos, observa Pascal Vaillancourt, diretor do Interligne, um serviço de ajuda para a comunidade LGBTQIAP+.
"As pessoas nos ligam e falam sobre sofrimentos dos quais estávamos ouvindo cada vez menos", explica à AFP, referindo-se ao aumento de insultos e agressões. Pascal destacou que ele mesmo foi recentemente vítima, pela primeira vez, de ameaças violentas e homofóbicas enquanto andava com seu parceiro pelas ruas de Montreal.
O país, "pioneiro em diversidade e inclusão" no mundo, está passando por uma "mudança significativa" e vive uma "diminuição acentuada" do apoio à comunidade LGBTQIAP+, confirmou Sanyam Sethi, da empresa de pesquisas Ipsos Canadá.
Segundo uma ampla pesquisa publicada em junho em cerca de 30 países sobre temas como casamento entre pessoas do mesmo sexo, demonstrações públicas de afeto ou leis contra a discriminação, o Canadá registrou algumas das maiores quedas.
Apenas 49% dos canadenses apoiam que pessoas da comunidade LGBTQIAP+ falem abertamente sobre sua orientação sexual ou identidade de gênero, frente aos 61% registrados em 2021.
"É a queda mais acentuada do mundo, junto com o México e a Turquia", destacou Sanyam Sethi.
- Aumento da polarização -
As tensões nos Estados Unidos em torno das questões LGBTQIAP+ também estão impactando o Canadá, ressaltaram associações de direitos civis, que observam uma polarização crescente acompanhada de uma "expressão desinibida".
"Transformou-se em algo com o qual podemos ser a favor ou contra", resume Marie Houzeau, diretora geral do Grupo de Pesquisa e Intervenção Social de Montreal (Gris-Montreal).
Outra influência é a atividade nas redes sociais de conservadores influentes. Ao ouvir os mesmos comentários em uma bolha criada por algoritmos, parte da população, especialmente os jovens, se sente autorizada a se expressar agressivamente contra pessoas homossexuais e transgênero, indicou.
Está-se impondo um "clima de ódio", alimentado por políticos conservadores com um discurso populista e para causar divisão, acrescentou Pascal Vaillancourt, que considera que os direitos da comunidade LGBTQIAP+ "estão enfraquecendo".
Em algumas províncias canadenses como Alberta, New Brunswick e Saskatchewan, os governos locais anunciaram planos para endurecer as leis relativas aos jovens transgênero, especialmente proibindo cirurgias de transição em menores, uma política fortemente criticada pelo primeiro-ministro Justin Trudeau.
- Radicalização violenta -
O Canadá ainda segue marcado pelo ataque a faca ocorrido no ano passado durante um curso sobre identidade de gênero na Universidade de Waterloo (Ontário). Um homem feriu gravemente três pessoas, incluindo o professor.
Entre 2018 e 2023, o número de crimes relacionados com a orientação sexual das vítimas no Canadá quadruplicou, de 186 para 860, segundo o organismo Estatísticas Canadá.
Os serviços de inteligência alertaram em seu último relatório de 2023 que os extremistas contrários à "ideologia de gênero" poderiam "cometer atos de violência extrema" contra a comunidade LGBTQIAP+.
Em meio ao clima de tensão, Trudeau garantiu na rede social X que vai disponibilizar "os meios de proteção necessários" para que o "ódio" não prejudique as celebrações realizadas ao longo de diversas datas do ano, a exemplo da Marcha do Orgulho.
X.Wong--DT