Manifestantes invadem Senado mexicano e interrompem debate sobre reforma judicial
Centenas de manifestantes invadiram nesta terça-feira (10) a sede do Senado e obrigaram a suspensão do debate de uma polêmica reforma que, se aprovada, transformaria o México no primeiro país a escolher todos os seus juízes por voto popular.
"Senhor senador, detenha o ditador!", gritavam os manifestantes que repentinamente romperam as barreiras de segurança, referindo-se ao presidente de esquerda Andrés Manuel López Obrador, autor do projeto.
Devido à invasão, o presidente do Senado, Gerardo Fernández Noroña, decretou um "recesso indefinido" e, pouco depois, convocou uma sessão em uma sede alternativa para a noite desta mesma terça-feira. "Haverá reforma", escreveu ele na rede social X, com a expectativa de que o texto seja votado entre terça e quarta-feira, conforme previsto.
Os ocupantes, entre eles funcionários judiciais em greve e estudantes universitários, permaneciam dentro do edifício, com pouca presença policial.
López Obrador, que possui ampla maioria no Congresso, propôs a reforma constitucional no contexto de um confronto com a Suprema Corte, que bloqueou reformas que ampliavam a participação do Estado no setor energético e colocavam a segurança pública sob controle militar.
O mandatário, que entregará o poder à sua correligionária Claudia Sheinbaum em 1º de outubro e conta com 70% de popularidade, acusa o tribunal máximo e alguns juízes de estarem a serviço da corrupção de colarinho branco e do crime organizado.
Porém, seus adversários afirmam que, na verdade, ele pretende eliminar a independência do Judiciário para instaurar um regime autoritário e perpetuar seu partido no poder.
A emenda também é criticada pelos Estados Unidos e pelo Canadá, que alegam que ela prejudicaria o acordo comercial T-MEC, num momento em que o México se consolida como principal parceiro comercial de seu vizinho do norte.
Washington também alerta que o voto direto colocaria os juízes à mercê dos criminosos, que já influenciam as campanhas políticas.
Se a iniciativa for aprovada, os atuais ministros da Suprema Corte, juízes e magistrados (cerca de 1.600) poderão se candidatar em eleições em 2025 e 2027. Caso contrário, permaneceriam em seus cargos até que os eleitos assumissem suas funções.
- Caso único -
A reforma também é criticada por especialistas das Nações Unidas e por organizações como a Human Rights Watch. Ela colocaria o México "em uma posição única em termos do método de eleição de juízes", apontou Margaret Satterthwaite, relatora da ONU sobre a independência de juízes e advogados.
O outro caso semelhante na América Latina é o da Bolívia, onde os magistrados das altas cortes são eleitos por voto popular, enquanto os juízes ordinários são designados por um conselho da magistratura.
Porém, a independência dos magistrados eleitos foi colocada em xeque em meio à disputa entre o presidente Luis Arce e seu mentor e ex-presidente socialista Evo Morales (2006-2019).
"O que mais preocupa aqueles que são contra essa reforma é que perderão seus privilégios, porque o poder judiciário está a serviço de poderosos (...), do crime de colarinho branco", declarou López Obrador nesta terça-feira.
Às vésperas do debate, a presidente da Suprema Corte, Norma Piña, equiparou a emenda a uma tentativa de "demolição do poder judiciário".
O governo precisaria de um voto a mais para completar os 86 (dois terços) necessários para aprovar reformas constitucionais, embora o líder do Senado sustente que 85 votos seriam suficientes.
A sessão começou com denúncias de traição dentro do partido opositor PAN, pois um de seus senadores, Miguel Ángel Yunes, ausentou-se por doença e foi substituído por seu pai, alimentando suspeitas de que o governo obteria assim o voto crucial.
- "Batalha até o fim" -
Caso a reforma seja aprovada, "estaríamos instaurando uma ditadura", declarou à AFP o advogado José Cordero, de 40 anos. "Os advogados dependem de um sistema de justiça autônomo", sublinhou.
Entre as mudanças que a reforma traria, a figura dos "juízes sem rosto" para combater o crime organizado preocupa Ana Paola Morales, estudante de relações internacionais, de 23 anos, pois viola o "direito de saber quem está te julgando e por quais acusações".
Os partidos opositores, PAN, PRI e Movimento Cidadão, declararam que votarão contra a iniciativa, enquanto denunciam pressões do governo.
"Batalharemos até o fim para evitar esse atropelo", escreveu na rede X a senadora do Movimento Cidadão, Alejandra Barrales.
López Obrador insiste que o voto aproximará a justiça do povo neste país, onde são registrados cerca de 80 homicídios por dia e a impunidade supera 90%, segundo ONGs.
O.Mehta--DT